“Somos todos pinguins, andamos todos da mesma forma de um lado para o outro.” É assim que Luís descreve os doentes com espondilite anquilosante, em jeito de brincadeira. Diagnosticado há mais de 20 anos, é chefe de serviços e faz deslocações por todo o país, um primeiro indicativo que não deixa que a doença o trave.
Luís tem de recuar até à adolescência para encontrar os primeiros sintomas da doença. A trabalhar desde os 14 anos, foi aos 16 que começou a sentir dores na anca, para as quais ninguém parecia arranjar uma justificação. “Por muito caricato que pareça, a minha mãe até me levou à bruxa!”, exemplifica como forma de esclarecer o quão moroso foi o processo e o desconhecimento que nessa época existia da doença. Ao fim de três anos, um ortopedista encaminhou-o finalmente para o Instituto Português de Reumatologia, onde as perguntas e as dores teriam resposta.
Mesmo passado todo este tempo, há memórias que Luís não esquece, como a dificuldade que tinha pela manhã para se levantar ou para ir trabalhar. “Tudo custava”, afirma. Bem presente foi a frase de um médico, na altura do diagnóstico: “A algumas pessoas sai o totoloto, a si saiu-lhe isto.” Conta-o para explicar o processo pelo qual, inevitavelmente, todos os doentes passam: primeiro, a negação; depois, o caminho até à aceitação. Está nesta fase há muitos anos.
Se não há interesse por parte do médico, o doente também não tem interesse
Desde essa altura, já teve alguns contratempos causados pela EA. Aos 30 anos, lembra, exatamente no dia do seu aniversário, foi operado à anca direita, com colocação de uma prótese. Duas décadas depois, ainda recorda o médico que o operou: “Um médico interessado pelo doente, pela sua história.” Este é, aliás, um assunto ao qual volta recorrentemente: a importância dos profissionais de saúde e a preocupação em que mais e melhores profissionais se envolvam numa doença relativamente desconhecida. Recua outra vez aos primeiros momentos do pós-diagnóstico para relembrar a médica cuja dedicação e preocupação se estenderam à vertente psicológica, encaminhando-o para psicologia, de forma a conseguir lidar melhor com a doença.
A esta médica seguiu-se outra, cujas consultas “nem demoravam dez minutos”, e com a qual Luís não sentiu que fosse frutífero continuar: “Acabei por desistir.” Entre avanços e recuos, acabou por conhecer um reumatologista que ainda hoje é o médico que faz o seu acompanhamento.
De vez em quando, temos a sorte de nos cruzar com médicos com M grande
Apesar dos avanços e recuos no acompanhamento médico, Luís sublinha a importância dos bons profissionais para um combate eficaz aos sintomas da doença e reconhece o esforço do Serviço Nacional de Saúde em providenciar aos doentes os medicamentos.
O conhecimento que foi cimentando sobre a doença e os avanços na medicina, ao longo de todos estes anos, levam-no a acreditar que “rapidamente haverá uma evolução”. O facto de a comunidade científica dar progressivamente mais atenção e investigação a esta patologia leva-o mesmo a fazer uma aposta. “Cinco, 10 anos no máximo. Não dou mais do que isso. Vai aparecer alguém que vai descobrir rapidamente como dar a volta a esta questão.” Sabe, contudo, que não terá uma reversão no curso da sua doença, mas ainda assim vê o copo meio cheio.
Acho que qualquer dia isto pode acabar, e quero continuar a tentar viver da melhor maneira
Consciente dos cuidados que deve ter para preservar a mobilidade, não permite ser travado pela EA. O trabalho e a família são as suas preocupações e as suas prioridades, e desempenha ambos os papéis com a garra de quem ganhou a consciência de que cada dia é único. Quando questionado sobre os constrangimentos que a EA lhe trouxe, salienta que lhe afetou “a progressão na carreira”. Na vida pessoal limita-lhe a atividade física. Valoriza as pequenas conquistas, como conseguir ver televisão, “antes era impensável estar sentado e conseguir fazê-lo”.
Não consegue precisar os dias que já ficou impedido de trabalhar pelas dores, mas recorda que a última vez que ficou um período longo foi há cerca de três anos. “Fraturei o osso junto à prótese, por estar mais frágil. Fiquei sete meses de baixa. Foi um movimento simples, estava de cócoras e só me levantei.”
Vou na rua e reconheço alguém que tenha a minha doença
Vive com a doença desde os 19 anos. Não sente necessidade de a explicar ao seu núcleo mais próximo, porque sempre lidaram de perto. O facto de morar na capital, onde acredita que o acesso à informação é mais facilitado, também pesa como fator. Leva a família para algumas iniciativas e congressos. O filho, atualmente com 20 anos, acompanhou-o também desde cedo. “Ainda pouco ou nada se fazia neste país e o meu filho, com sete meses, já ia comigo para a piscina.”
Ter espondilite anquilosante faz com que esteja mais atento a sintomas que outros podem tender a ignorar. O conhecimento e a empatia fazem com que alertar para a possibilidade da doença seja o primeiro passo, mesmo com desconhecidos. Sabe que não é médico, não lhes tira a legitimidade, mas aconselha estranhos quando desconfia da forma de andar ou da curvatura na coluna: “Já aconteceu falar com alguém e posteriormente essa pessoa aparecer na associação.”
A ANEA – Associação Nacional de Espondilite Anquilosante tem um papel crucial na vida de Luís. Desde muito cedo que participou ativamente nas iniciativas da associação, o que influenciou vários aspetos. Por um lado, acredita que a ANEA lhe permitiu ter sempre um conhecimento atualizado sobre as últimas inovações a nível internacional. Por outro, o espírito de associativismo cria o sentimento de comunidade, pessoas que se apoiam e que se entendem umas às outras.
É uma iniciativa muito importante, que alerta as pessoas para a nossa doença e para a importância do desporto em si
Reconhece a importância de iniciativas que promovam o conhecimento da espondilite anquilosante, ainda que a participação no EA Team seja algo que não estava nos planos. “Já fiz mergulho com garrafa, que é uma coisa que adoro, mas neste momento não tenho capacidade respiratória.”
Como todos os doentes com esta doença, sabe que a natação é um dos exercícios mais benéficos, mas com a ausência de dores acaba por desleixar o exercício. “Se tivesse dores, estava na piscina todas as semanas; como não tenho, baldo-me!”.
Ainda que reticente em participar no torneio EA Team, Luís sublinha a importância de posicionar a espondilite anquilosante na ordem do dia: “Há muitos médicos que ainda desconhecem, há falta de reumatologistas no país. Se não existem reumatologistas, não é feito um diagnóstico, logo não se param as dores nem se encaminham os doentes.” E remata: informação é poder.
Prefiro viver 10 anos com qualidade do que passar 20 a arrastar-me
Luís vê com esperança o futuro e defende a prevenção como um fator crucial. Por um lado, a prevenção dos doentes, como ele, que devem cuidar de si e proteger-se de eventuais riscos. Por outro, a prevenção dos médicos, que não devem permitir uma evolução drástica da doença para atuar com os medicamentos que se mostram mais eficazes. E, mais uma vez, ressalva a importância da informação: “Estava a pensar nisto e no quão felizardo sou por ter acesso a tudo o que tenho.”
Com uma incapacidade superior a 62%, Luís continua a batalhar todos os dias, está “sempre a tentar construir algo”. Tem consciência do que o futuro lhe pode reservar, mas escolhe seguir em frente sem medos. “A resiliência dá-nos mais força para conseguir algo.” Para o futuro, quer “viver da melhor maneira”, sem “baixas consecutivas”.
Para os doentes diagnosticados com espondilite anquilosante, a mensagem é só uma:
“Esperança. Viver é a coisa mais bela que pode haver, e de hoje para amanhã as coisas vão estar muito melhores. Para todos.”.